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Dorival Caymmi

Caymmi, Dorival
  • Ator
  • ∙ Cantor
  • ∙ Compositor
  • ∙ Violonista

“Os negros e os mulatos que têm suas vidas amarradas ao mar têm sido a minha mais permanente inspiração. Não sei de drama mais poderoso do que o das mulheres que esperam a volta, sempre incerta, dos maridos que partem todas as manhãs para o mar no bojo dos leves saveiros ou das milagrosas jangadas. (...) Tratei desses motivos porque nada mais sou que um homem do cais da Bahia, devoto eu também de Yemanjá, certo eu também que estamos todos nós nas suas mãos, rogando-lhe que não envie os ventos da tempestade, que seja de bonança o mar da minha vida”.

- Dorival Caymmi, na introdução de Cancioneiro da Bahia -


Iemanjá não negou a seu filho mais devotado um mar de bonança em sua vida. Deu-lhe a sorte de nascer no seio de uma família que estimulou o florescimento de seus múltiplos dons artísticos, não demorou a alcançar o merecido sucesso por seu talento, colecionou fiéis amigos e admiradores, foi correspondido no amor pela cantora Stella Maris, sua estrela-do-mar, com quem construiu uma verdadeira dinastia de músicos talentosos.

O fiscal da alfândega Durval Caymmi e a dona-de-casa Aurelina Cândida Soares Caymmi sempre tiveram a música muito presente em suas vidas: enquanto ele tocava piano, bandolim, violão e promovia saraus, ela cantava. Ainda criança, Dorival já pegava escondido o violão do pai para experimentar as cordas e tentar reproduzir os sons que ouvia nas festas e na vitrola. Durval não demorou a descobrir a travessura, e tentou corrigir o que o filho fazia de “errado” com o instrumento. Mas o menino resolveu insistir em alguns desses “erros”, como a inversão de acordes, que acabariam marcando seu estilo.

O companheiro de toda a vida, José Rodrigues de Oliveira, o Zezinho, embarcou na paixão do amigo. Foi com ele que Dorival descobriu os pescadores, quando veraneavam em Itapuã, e foi com ele também que entrou por curiosidade na Rádio Clube da Bahia, onde arriscou uma canção no ar pela primeira vez. “Sua voz é igual à do Francisco Alves”, estimulou Zezinho. Animados, os amigos resolveram formar um conjunto musical, o Três e Meio. Dorival, responsável pelo violão chamou o irmão Deraldo para tocar tambor, e Zezinho, que assumiu o cavaquinho, trouxe o irmão menor Luiz – o “meio” do grupo – para fazer o ritmo com o pandeiro. O conjunto cantava sucessos dos cantores que ouviam no rádio, como Noel Rosa e Carmem Miranda.

Caymmi chegou a compor algumas canções nesta época, ganhou alguns cachês para apresentar-se com o conjunto, mas não via a música como atividade profissional. Serviu o exército, prestou um concurso, mas não vendo muito futuro no mercado de trabalho baiano, o rapaz resolveu tentar a sorte no Rio de Janeiro. Sua intenção era cursar Direito, e pretendia arrumar algum emprego na imprensa para bancar os estudos. Na bagagem que partiu com ele a bordo do navio Itapé, no dia 1º de abril de 1938, foi seu violão, bem disfarçado no embrulho.

Mas, tão logo tirado da mala, o instrumento provou que não seria coadjuvante nessa história. Já no seu primeiro ano no Rio de Janeiro, Dorival Caymmi começou a integrar a elite artística da então capital. Logo fez amizade com outro baiano, o escritor Jorge Amado, com quem chegou inclusive a compor algumas canções, como É doce morrer no mar. Caymmi apresentou suas composições nas rádios Tupi, Nacional e Transmissora, conheceu Assis Chateaubriand e foi apresentado a Carmem Miranda – que daria projeção internacional a suas canções, como O que é que a baiana tem?.

Foi no rádio também que Caymmi conheceu Adelaide Tostes, num programa de calouros. A bela moça loura e alta o cativou com sua interpretação do Último desejo, de Noel Rosa. Adelaide, que gostava de ser chamada de Stella, logo ganhou a alcunha de Stella Maris (do latim, estrela-do-mar) do radialista César Ladeira. E não demoraria para se tornar Stella Caymmi.

Em 1941 nascia a primeira filha do casal, batizada de Dinahir, em homenagem à irmã caçula do compositor, mas que ficaria conhecida como Nana. O sucesso estava só começando. Caymmi circulou à vontade por todo o cenário artístico e intelectual brasileiro. Além da música, chegou a aventurar-se pelas artes plásticas. “Dorival é um grande pintor, não é negócio de brincadeira, não”, elogia o amigo Carybé. Criou raízes no Rio de Janeiro, onde cresceram seus três filhos – além de Nana, Dorival e Stella tiveram Dori, em 1943, e Danilo, em 1948 – ambos músicos de talento também.

Certa vez o compositor declarou a um jornalista: “Sou o mesmo de quando me casei. Meus filhos são maiores de idade e já seguiram seus caminhos, mas eu continuo no mesmo ambiente de violão e livros”. Com seu jeito manso, Caymmi revolucionou a canção brasileira e influenciou as gerações seguintes de músicos, como João Gilberto, Caetano Veloso, Tom Zé e muitos outros, abrindo a porta para movimentos como a Bossa Nova e a Tropicália. Mas, a despeito de toda essa reverência, o baiano não deixou que o sucesso atrapalhasse sua vida familiar, seus hábitos do dia-a-dia, seu papo com os amigos. 

Dorival Caymmi morreu em 2008, em decorrência de um câncer renal que já tratava havia nove anos. Sua Copacabana ostenta hoje uma estátua de bronze inspirada em uma famosa foto de Evandro Teixeira, com o compositor saindo da praia carregando seu violão, enquanto acena para algum conhecido. Da mesma forma que suas canções soam quase como repertório popular, tamanha a familiaridade dos brasileiros com seus ritmos e letras, sua própria imagem, cantando suas poesias do mar, também transita confortável pelo imaginário de sua gente

Data detalhada de nascimento

30.04.1914

Data detalhada de falecimento

16.08.2008

Natural

Salvador - BA